26 outubro 2013

Pedras






Então, as pedras aproveitaram a solidão
do tempo sem recuos
para parecerem cabeças
com pensamentos de faúlhas mortas
e perfis aparentados
com a luz.






14 outubro 2013

Coragem

 (Caminhos do Alentejo)





E aqui estou eu
imóvel,
heróico de coragem de existir
e ser ilha
no meio da torrente de imagens
- a escorrer palavras
na sombra inconcluida.






(Caminhos do Alentejo)

09 outubro 2013

Ilusão

(Lisboa-Parque das Nações)






O luar tinge
o perfume das flores
de uma pureza que gela.

Flores
- espécie de luz própria
com que a terra se finge 
de estrela.





(Oceanário-Parque das Nações-Lisboa)

07 outubro 2013

Padrões

 (Coimbra pela noite)



O longo manto
que os portugueses ainda arrastam pelo mundo
começa a romper-se.

Agora morre-se por novos abismos
- outro sabor voluptuoso
em ilhas sem mar
de erguer padrões.

E o heroísmo
talvez seja apenas deixar
este anúncio luminoso
nas cidades por tantos mortos construídas:
« AQUI RESPIROU CAMÕES »




(Coimbra à noite)

16 junho 2013

Caminhos


(Imagens do Alentejo)



Subo o caminho
a sacudir as sombras das aves
que me fendem os olhos.

Piso ervas, caules, vermes podres,
este charco como lagoa,
bichos de conta, seixos, sóis, espinhos,
pedras que furam as solas
e os pés coniventes.

O planeta magoa.






07 maio 2013

Ser ou não ser

 (Imagens do Alentejo)




Para além do "ser ou não ser" dos problemas ocos,
o que importa é isto:

Penso nos outros.
LOGO EXISTO.





30 abril 2013

Vento


(Imagens do Alentejo)




Ó vento que trazes os gritos do mundo,
pois não vês que quero esquecê-los ?

Ah ! Prende-os, prende-os no pinhal
onde anda toda a noite
o remorso que chora,
e vem depois despentear-me os cabelos
subtil e doce
com dedos dançantes
de mulher voadora ...







10 abril 2013

Frio




Quero-te assim imaginadamente bela
como se saísses agora mesmo dessa sorte
ainda com o frio de estrela
por passaporte.

Tu, a sonhada sentinela
com olhos de coração,
resignada ao destino que vela
pela minha solidão.




Asas





Que pena a vida não ter dado outras asas aos meus versos,
que sinto tantas vezes estremecer na escuridão das palavras !

Mas podia lá abri-las, diante desta gente,
musgo de sonho despido,
que apetece enforcar aos milhões nas estrelas
para enfeitar a noite de corações parados !





27 março 2013

Insónia




A noite adormeceu.

E a morte cansada
vestiu-se de vento
para desfolhar as flores
na insónia dos jardins
da tempestade.

Ah ! canta, canta toda a noite,
alma dos vendavais.

Ajuda a adormecer os homens
na amargura das tocas
e dos covais.

Os homens que te esperam, nua e gelada,
nas manhãs lívidas de metralhadoras,
quando o sol se levanta ao longe
num esforço de cabeça de cadáver
a ressuscitar em vão ...
nas lágrimas das ervas e dos mortos
sem ressurreição.





13 março 2013

Pólen






Uma nuvem pequenina
saiu-te dos olhos
e pairou por momentos
no ruído azul
do sol velado ...

Depois tornou-se na ninfa de despenteio ao vento
e vai agora pelos campos
com cabelos de poeira
e túnica molhada de flores amarelas,
lá por onde passa a minha solidão
a fingir de primavera
nos caminhos dos pés voados
por dentro do pólen ...






12 março 2013

Agonia







Mistério evidente com tantãs
e o breve sopro
que deixa na cara
o lençol da agonia ...

Mas eu prefiro o outro,
o mistério difícil
em que ninguém repara
das rosas cansadas do dia a dia.







04 março 2013

Astral






Rasgar de portas nos subterrâneos da angústia
donde sai uma mulher de arame
e sexo de vidro
para o colóquio de raspar unhas
no espanto partido.

Adultério astral .






27 fevereiro 2013

Sinais





Noite de telhas desertas
na areia lunar
dos pinheiros sós.

Ninguém.

Mas por toda a parte
na cal dos muros,
no sangue dos tijolos,
no aprumo dos portais,
no desequilíbrio das pedras
sentem-se as mãos dos homens
com dedos sôfregos.

Cemitério de sinais
para o tempo em vão
das ampulhetas das lágrimas podres.





24 fevereiro 2013

Vaidades


Para quê !?



Tudo é vaidade neste mundo vão...
Tudo é tristeza, tudo é pó, é nada!
E mal desponta em nós a madrugada,
Vem logo a noite encher o coração!

Até o amor nos mente, essa canção
Que o nosso peito ri à gargalhada,
Flor que é nascida e logo desfolhada,
Pétalas que se pisam pelo chão!...

Beijos de amor! Pra quê?!... Tristes vaidades!
Sonhos que logo são realidades,
Que nos deixam a alma como morta!

Só neles acredita quem é louca!
Beijos de amor que vão de boca em boca,
Como pobres que vão de porta em porta!...


(Florbela Espanca)


20 fevereiro 2013

Orvalho





A menina rompeu as paredes da torre
e pairou no vale
esquecida de sombras e bolores.

Mas de repente lembrou-se.

Parecia mal
ser tão feliz assim
a ceifar com a sua foice
ervas e cores.

E então estendeu-se no jardim
a aproveitar para o remorso dos olhos
o orvalho das flores.





17 fevereiro 2013

Noite I






Enterrava-se a noite
e às vezes também os astros
na alegria das férias,
para dar destinos azuis
às raízes dos cardos
cheias de estrelas
estéreis.





Noite





Enterrava-se a noite,
metia-se a sombra debaixo das pedras
e esperava-se o espanto de vê-la continuar
de mãos dadas
com a luz,
nas palavras,
nos gritos,
nos olhos das barricadas,
nas flores com dentes.

A noite 
tinha a utilidade das sementes.





14 fevereiro 2013

Sonhos



Enfim no céu de todos
a plena condição 
de anjos mutilados
que não tardarão
a mostrar de astro em astro 
a tragédia total
de sermos insectos
tão nus para imaginarmos a verdade.

Apenas solidão  
de deuses que recusam o trono.

Ah ! nunca o homem foi tão duramente real
como neste teu corpo imponderável
só com o peso do sonho.


(Todos os créditos vão para ti em nome da estima e amizade)

13 fevereiro 2013

Frio





Duas mãos desfeitas num fio
em volta do pescoço,
arrepio 
de terra e fogo.

Depois enterraram-na no rio
para que espere,
como o outro também, a dormir no mistério do seu recanto,
a trombeta do último apelo
que os torne de novo homem e mulher
com flores na fluidez do sexo
e no cabelo
de sombra em cio.

Dos olhos de ambos
corre agora o sangue de se verem ...

Mas na noite só se ouvem
os passos do rasto negro e frio.




11 janeiro 2013

Trevas






Meti a chave na fechadura,
abri a noite
e entrei no palco onde me espero
a chorar nos espelhos,
desgrenhado pelos subterrâneos do vento
da treva impura.





07 janeiro 2013

Azul






A este desespero azul
de te querer sempre ao pé de mim
chamam os homens amor.

Mas o amor é outra raiva
de arrancar o sol da lua.
Andar com andorinhas na algibeira
e dependurá-las na  chuva ...