26 agosto 2010

Palavras

Ar
onde por fim os deuses se perderam
nas veredas dos astros
contentes por tudo parecer concluido,
cada coisa com o seu rosto ignorado.

Entretanto os homens já existiam
resignados ao desdém de respirar...

E com as palavras
começavam a protestar contra o silêncio
- a doce língua morta dos deuses.


(Fotos: Vilamoura, em 07/2010)

Fogo

O fogo
é este bafo húmido dos homens,
prolongamento dos dedos,
sangue fora das veias,
raiva de fugir de mim
por liberdade  em êxtase.

E não o suor vivo
que arde nas lareiras.

Ah! a lenha cheira tão bem a flores com outro sentido!


19 agosto 2010

Sombras

Ah! como odeio
este sentir-me alheio
a tudo quanto amo
e creio!
Os pobres, o sonho, o mundo com falta de pão...

E saber que nunca voltam ao ramo
as sombras das folhas no chão!...

16 agosto 2010

Frio

Aqui nesta praia amarela ...
tanto esperei em vão pelo princípio do mundo
com os pés a doerem-me
como conchas de sangue no nu dos tapetes...

Depois despia-me
e desafiava o mar
para sentir na pele
aquele frio antigo tão doce como alfinetes...

11 agosto 2010

Corpos


Que é isto ?

Todas as mulheres na plateia
desabotoaram os vestidos
para mostrar os seios nus
à espera das bocas que voavam
na escuridão da sala.
Às vezes para completar a música
falta apenas que os homens e as mulheres
se confundam
no deboche
de um acorde.

Hoje as mulheres são diferentes.
Vieram de outro planeta nos raios do sol
e esconderam-se por dentro das flores
no gozo depravado do pólen.

Oh! a naturalidade com que as mulheres passeiam os corpos
... instrumentos dos deuses.

10 agosto 2010

Vento


A esta hora
espero sempre ouvir a confissão impossível
da boca das pedras.

Impossível porque talvez não houvesse crime
ou foi tão perfeito que ninguém o cometeu.

Ou sonhei-o apenas para dar sentido às pegadas
que o vento apagou aos gritos
no meu jardim de lâminas.

Ficou apenas o cadáver que se desfez a si mesmo
com ácidos de penumbra,
enquanto o assassino olhava aterrado
para as suas mãos puras.

06 agosto 2010

Dúvidas

Hoje, para mim o sonho e a realidade
confundem-se no mesmo fel lascivo
de subterrâneo sujo ...

Mentira ? ... Verdade ? ...
Sei lá se sonho ou se vivo !
Fujo.
~~~~~~
Hoy para mí el sueño y la realidad
se confunden en la misma hiel lascivo
como un sótano sucio.

Mentira? ...En serio?...
No sé si sueño o si vivo!
Corro.
~~~~~~
Today, for me the dream and reality
become confused in the same gall lascivious
underground dirty.

Lie?... Really?...
I don't know if I dream or alive!
I run.
~~~~~~
Aujourd'hui, pour moi le rêve et la réalité
se confondent dans le fiel lascive,
souterrain crasseux.

Mensonge?... Vrai?...
Je ne sais pas si je rêve ou si je vis!
Je cours.

03 agosto 2010

Rumos

Acabaram-se os pequenos rumos
no desespero do mar vil.
Acabaram-se os voos exíguos
nos horizontes das águias cegas.

Agora só há no mundo o grande destino
que iguala todas as pedras e todos os olhos
na mesma grandeza
da cidade a arder
na noite sem limites.
(Fotos: Praia da Galé)