28 janeiro 2010

Liberdade.

Quero voar
- mas saem da lama
garras do chão
que me prendem os tornozelos.
Quero morrer
- mas descem das nuvens
braços de angústia
que me seguram pelos cabelos.
E assim suspenso
no clamor da tempestade
como um saco de problemas
- tapo os olhos com as lágrimas
para não ver as algemas ...
Mas qualquer baloiçar ao vento
me parece LIBERDADE.

25 janeiro 2010

Emoção.

Oh ! esta comoção
de me sentir sozinho
no meio da multidão
- a ouvir o meu coração
no peito do vizinho.

Oh ! esta solidão
quente como a camaradagem do vinho !


21 janeiro 2010

Manhã.

Esperguiço-me na desordem da manhã,
relógios incertos
que dançam nos olhos dos pássaros
- tudo tão húmido de existir.
Acordar é entrar neste sono,
fronteira de cristal ainda por destruir
entre o sonho e as pedras,
resolvi dizer que ocultei em mim a noite
para o mundo parecer mais luminoso,
mulher especial,
só pele translúcida sem formas
- perdeu o corpo.
Morte para quê ?
Os abismos ocultaram-se.
O tempo soltou-se dos relógios.

19 janeiro 2010

Sonhos.

Sujo-me de sonhos
para me sentir mais puro e real
na indiferença dos afagos...
Enquanto na água
mãos de luz tépida
perdoam com os dedos
crimes desenhados...

14 janeiro 2010

Nudez.

A nudez
torna-me mais disperso de mim
e estrangeiro.
Só esquecido do corpo
me sinto inteiro.

12 janeiro 2010

Oculto.

Quando te beijo nos olhos ...
... não beijo as aves ocultas
que vão buscar as lágrimas
ao teu coração.
Nem os ninhos forrados de espelhos negros
para prolongarem a solidão.
Não beijo as ruinas da sede,
os tapetes do frio,
as janelas do sonho debruçado,
as moedas atiradas aos pobres,
o algodão em rama nas feridas.
Nem os teus subterrâneos de ternura
com luas escondidas.
Beijo apenas a minha imagem
de narciso covarde
que desceu aos teus olhos
para poder amar-me.

05 janeiro 2010

Babel.

Quero uma Torre,
uma torre qualquer,
para que no meu sonho eu a forre
com pele de mulher.
E eu veja lá de cima o sol que morre
num mundo ainda por nascer.
Ah! Quero uma Torre para me sentir mais pequeno
e maior.
Dada, não. Prefiro ser eu a construí-la
com estrelas de suor
e raiva de argila.
Deixem-me que eu a faça e desfaça,
águia a erguer-se lentamente do solo,
pedra a pedra, tijolo a tijolo,
com nuvens de argamassa.
Até que lá no fundo do poço
onde mal chega o bulício
do último silêncio do mundo em combustão,
eu pare a ouvir o comício
dos fantasmas da minha solidão.
Mas minha, ouviram?
Feita pela minha mão.

04 janeiro 2010

E eu ?

De súbito,
na noite aflita de estrelas,
com os gritos dos outros na minha boca de espanto,
e as mães, dentro mim, a beijarem na treva os filhos mortos...
De súbito,
no meio desta gente a aproveitar-se da minha alma para sofrer,
com as lágrimas alheias a caírem-me dos olhos
e os corações de todos a baterem-me no peito...
De súbito,
levanto-me e grito para o céu
com a voz de espadachim
a desafiar a noite indiferente:
E eu ?
Sim. E eu ?
Porque não sofro por mim,
a minha dor,
como toda a gente ?
- Talvez porque pareço maior
quando me confundo
com o mundo.