25 março 2011

Ilusões


 Tempo dos homens obrigados a serem perfeitos
 com gestos transparentes,
ouro de trabalho igual,
angústia com sabor a violino,
afinal todos com pântanos por dentro,
amor em camas de andróides,
destinos de lesmas
- o frio dos termómetros
sai dos corações.

São duas horas da manhã
e apetece-me liberdade
- deixar no caminho
trevas violadas,
cadáveres
de ilusões.

24 março 2011

Sono


Dormes tão grave
no teu sono de lua desfeita.

Dormes...

E que guardas nessas pequeninas mãos cerradas
pela noite fora ?

A destruição da treva ?
A morte dos tiranos ?
O rumor quente das barricadas ?
O segredo da bandeira da cólera ?  

21 março 2011

Visões


Chegam aos mil, no vento, em turbilhões
De asas, chocando os cornos e os tridentes,
Os demónios cruéis, fúrias dementes,
Que enchem as minhas noites de visões.

De olhos em mim, à volta, em convulsões
Riem. E os corpos nus, fosforescentes,
Lançam palpitações intermitentes;
Povoam serra e terra de clarões.

Mas um que, por mais cínico e cruel,
Entre os outros demónios é ministro,
Dá-me uma taça, a transbordar de fel.

Fita-me, intimativo, o monstro aziago,
E, sob o império desse olhar sinistro,
Bebo, com asco horrível, trago a trago...

16 março 2011

Vento

 Deslumbramento
desta manhã mil vezes repetida
com o ouro das mãos do sol
a palparem o vento,
o vento fêmea que se despe num lençol
e nos seios da roupa estendida.

Peles de cadáveres que uma volúpia branca desespera
- enforcados pela cólera da primavera.

07 março 2011

Perfil

 Árvores  em fila
com pequeninos olhos humanos
dependurados nos troncos
à espera de lágrimas novas
para verem melhor a tua beleza
- afinal apenas dor
desenhada de ti
e nada mais.

Perfil com cabelos de despedida ao vento
na desesperança do cais.