12 dezembro 2012

Bruma





Inconfôrto
de amar em bruma
a sombra visível.

Débil angústia
de sol morto
no amor medido.

Ai dos poetas com obrigações de corpo !






10 dezembro 2012

Vento





Ah ! só um segundo
com o mundo
de acordo comigo ...

E até os homens dormiriam nas nuvens
a ver o vento a ceifar o trigo.






26 novembro 2012

Melancolia




E  cá estamos
a ouvir o vento que chora
na boca voadora
por cima dos telhados.

E cá estamos,
a ouvir cair na chuva dos ramos
lágrimas de fantasmas enforcados.

E cá estamos ...

Alma ! porque te prendes, 
até que a dor a anule,
a esta escuridão
onde nem sequer há duendes
de fogueira azul
como no carvão ?





22 novembro 2012

Mundo


Porque não nasci no mundo
 que trago em mim ?

Inútil projecção
do sonho moribundo
da minha geração ...
águia ferida que procura
ainda no azul a sepultura
que a sua sombra  escura
já desenhou no chão.
Luz que só pressinto
como um cego a imaginar o sol
através do luar
que a voz do rouxinol
sonambulamente leva 
ao meu subterrâneo.
Um sol fechado num crânio
que é o outro rosto da treva
sombriamente a brilhar ...

Ou talvez o clarão
do fogo a arder no futuro,
depois do salto do muro.

Porque não nasci no mundo
que trago em mim ?


16 novembro 2012

Noite





Dói-me a boca de silêncio
e vou gritar !
nesta noite de lua mole
a dobrar-se nos telhados
inertes de bafio ...

Chamo-me não sei quem
e vou atirar para a ferrugem do vento
da noite desmantelada
este desafio de acordar o mundo
nas janelas de súbito acesas,
com milhões de vozes
esvaídas num clamor
para além dos lábios fechados
nas faíscas das pedras.

Gritar, ouviram ?

Gritar esta alegria de não sentir ainda terra na boca.
Gritar esta labareda enfim fora dos olhos !






15 novembro 2012

Silêncio






O silêncio é a lei
que começa no princípio do mar
e procura o perfil que reproduz
e ata os desvios
do sonho em linha recta.

Momento movido a luz
que torna a morte inquieta.





Manhãs






Deixei as mãos no prado
a cortar azedas ...
E aqui estou deitado
ao sol das veredas.

Ah ! estas manhazinhas
de mãos sem candeias.
Brincam as minhas.
Suam as alheias.

O pior é se aparece alguma bruxa de unhas pretas
a vomitar brasas
e as caça, confundindo as mãos com borboletas
de cinco asas.






30 outubro 2012

Trevas







Já eu andava pelos corredores
a arrastar
o meu pequeno manto
de palavras
a sofrerem por mim
as minhas  dores.

Rosto pobre
de peso alheio
com algemas de suor.

Só à noite,
quando a treva entrava por mim a dentro
me sentia maior.







22 outubro 2012

Solidão





Deixo sempre alguém fora de mim em mim
no lugar donde parto
flor que a si mesma se corta no jardim,
olhos pegados no espelho,
sempre a ver-me jovem na cama do quarto.

E a mão direita ? Onde deixei essa mão ?
Nos teus seios, talvez. Ou na melodia escrava
em que a vizinha do 2º andar, deitada ao comprido
no chão,
tentava ouvir o próprio coração
no piano em que eu tocava
- ponte sem sentido
de solidão para solidão
num espelho partido.







06 outubro 2012

Lembrança







 Aqui a lembrança
perde, de súbito, o rosto.
Pasta de sangue e névoa,
labirinto escuro na claridade do dia
que só começa a iluminar-se ao sol posto
quando de repente
sinto na mão
que me guia
a cegueira ardente
dos olhos da imaginação.







03 outubro 2012

Palavras






Valem-me as palavras que me deram em criança
e agora rastejam no chão,
atravessam-no,
mortos aparentes,
sombras vivas
com torturas nos dentes
que mordem os cordões,
escondem-se na terra,
unhas agressivas,
sugam o sangue dos vermes
tornam-se líquidas,
juntam-se em símbolos,
rios subterrâneos de metáforas
suor oculto.
Vêm de todos os lados,
química de sons em água,
fonte para um dia,
cinco bicas na mão
- bocas acordadas por fim nas rochas
que, em vez de beberem neblina,
CANTARÃO.


 
 

02 outubro 2012

Passado






 Para que me serve agora essa esperança
e o passado tal como o penso
visto pelos olhos arrancados
aos meus fantasmas de criança
que trago atados num lenço
e de quando em quando desembrulho
com a sensação de viver sufocado de silêncio
debaixo do entulho ?







28 setembro 2012

Mordaça







Também eu, também,
sonâmbulo de versos
gritei em vão
para arrancar as rosas
das pedras do muro.

Agora é a tua vez
de gelo e lume.

Grita, despedaça
com lâminas na boca
esta nossa mordaça
de silêncio imune.





21 setembro 2012

Evasão





Hoje até remorsos tenho
dos meus pobres versos a fingirem de subversivos
que os mortos do rebanho
lêem com o arreganho
de se julgarem vivos.

No fundo, evasão
para futuros sem chão.






12 setembro 2012

Labirinto





Mais uma vez vou chorar em voz alta
já tão farto deste remorso de bandeira aos gritos !

Mais uma vez vou ensanguentar o silêncio
com as unhas da dor dos outros
que já nem sinto
- de tão repetida
sereia de alarme.

Perdi-me num labirinto
e quero ouvir-me
nos gritos ocos
para encontrar-me.






02 setembro 2012

Ilusões








Entrei no café com um rio na algibeira 


e coloquei-o no chão, 

a vê-lo correr 

da imaginação... 



A seguir, tirei do bolso do colete 

nuvens e estrelas 

e estendi um tapete 
de flores 
a concebê-las. 

Depois, encostado à mesa, 
tirei da boca um pássaro a cantar 
e enfeitei com ele a Natureza 
das árvores em torno 
a cheirarem ao luar 
que eu imagino. 

E agora aqui estou a ouvir 
A melodia sem contorno 
Deste acaso de existir 
-onde só procuro a beleza 
para me iludir 
dum destino.










09 julho 2012

Passos









No céu, a lua e as estrelas ...
Na terra, silêncio e gatos ...
E eu às três da madrugada
com passos de rasgar o chão
a ouvir ranger nos sapatos
o violoncelo da minha solidão ...

Esta triste solidão de Deus do avesso
onde até a morte apodreço.










17 junho 2012

Cinzas








Em verdade tudo recomeçará de novo com cinzas
porque tudo começou sempre com cinzas,
donde os homens arrancaram um dia a labareda
com que modelaram um Deus de barro
na lama do rio seco.

O Deus do nada anterior
que no trono mais alto
do sol do princípio
com voz de Ninguém
vai julgar o Silêncio
ao som das trombetas
que não se ouvem
- de tão altas 
e terríveis
nas nuvens sem bocas.








Bruma








Em cinzas, pele,
seda, espuma,
o amor lentamente desfaz-se ...

E ai de quem não encontre nele
a misteriosa moeda de bruma
com a terceira face.








23 maio 2012

Sede










 O pior é esta sede de trevos molhados
e não haver nas pedras
bocas de carne.

O pior é esta sede de caçar ecos
nos corredores estreitos
com armas de mortos revoltados...

...e só haver lâminas de chuva.

O pior é esta sede putrefacta dos poços,
... e a minha boca
só querer nuvens.









07 maio 2012

Mundo






 E não se cala esta voz sem gente
que me persegue na nudez em riste
duma espada.
És o poeta do poente,
ouviste ?
...e mais nada.

Mas no meu coração triste
apodrece a madrugada.









23 abril 2012

Sons






 Já não ouço no som do chicote
violinos de adormecer.

Nem sinto no frio das algemas
asas geladas  de sonho.

Nem vejo nas cicatrizes
os misteriosos sinais
do ser e do não ser ...

Ou nas curvas da correia,
andorinhas a voar ...

Aprendi a ver-me escravo para ser livre.

E agora olho virilmente para o mundo
com estes dez mil olhos de sangue
que o chicote me rasgou na pele.








13 abril 2012

Asas.






 Nunca encontrei um pássaro morto na floresta.

Em vão andei toda a manhã
a procurar entre as árvores
um cadáver pequenino
que desse o sangue às flores
e as asas às folhas secas...

Os pássaros quando morrem
caem no céu.





22 março 2012

Destinos






 Pôs-me o destino nas mãos
um novelo de mil linhas ...
Umas de oiro... outras de prata...
...outras de arame mais vil...
Mas todas entrelaçadas
numa riqueza confusa.

Pobre novelo complicado
nestas  mãos inúteis
que nasceram para dizer adeus
nas estações de caminhos de ferro.