26 novembro 2012

Melancolia




E  cá estamos
a ouvir o vento que chora
na boca voadora
por cima dos telhados.

E cá estamos,
a ouvir cair na chuva dos ramos
lágrimas de fantasmas enforcados.

E cá estamos ...

Alma ! porque te prendes, 
até que a dor a anule,
a esta escuridão
onde nem sequer há duendes
de fogueira azul
como no carvão ?





22 novembro 2012

Mundo


Porque não nasci no mundo
 que trago em mim ?

Inútil projecção
do sonho moribundo
da minha geração ...
águia ferida que procura
ainda no azul a sepultura
que a sua sombra  escura
já desenhou no chão.
Luz que só pressinto
como um cego a imaginar o sol
através do luar
que a voz do rouxinol
sonambulamente leva 
ao meu subterrâneo.
Um sol fechado num crânio
que é o outro rosto da treva
sombriamente a brilhar ...

Ou talvez o clarão
do fogo a arder no futuro,
depois do salto do muro.

Porque não nasci no mundo
que trago em mim ?


16 novembro 2012

Noite





Dói-me a boca de silêncio
e vou gritar !
nesta noite de lua mole
a dobrar-se nos telhados
inertes de bafio ...

Chamo-me não sei quem
e vou atirar para a ferrugem do vento
da noite desmantelada
este desafio de acordar o mundo
nas janelas de súbito acesas,
com milhões de vozes
esvaídas num clamor
para além dos lábios fechados
nas faíscas das pedras.

Gritar, ouviram ?

Gritar esta alegria de não sentir ainda terra na boca.
Gritar esta labareda enfim fora dos olhos !






15 novembro 2012

Silêncio






O silêncio é a lei
que começa no princípio do mar
e procura o perfil que reproduz
e ata os desvios
do sonho em linha recta.

Momento movido a luz
que torna a morte inquieta.





Manhãs






Deixei as mãos no prado
a cortar azedas ...
E aqui estou deitado
ao sol das veredas.

Ah ! estas manhazinhas
de mãos sem candeias.
Brincam as minhas.
Suam as alheias.

O pior é se aparece alguma bruxa de unhas pretas
a vomitar brasas
e as caça, confundindo as mãos com borboletas
de cinco asas.