22 fevereiro 2011

Fios


 Não basta roubar navios
ou pedir ao mar que nos ajude
a quebrar os fios
da rede da mão rude.

É preciso semear o recomeço límpido
por dentro da cidade dos lobos,
tornar o sol mais íntimo
do tamanho dos frutos para todos.

E sobretudo
com armas de suor por incenso,
aprender a ressuscitar
o cadáver do silêncio.

18 fevereiro 2011

Naquele tempo ...


Nesse tempo
a chuva caía do céu de outra maneira
no jeito de cabelos desgrenhados
como as mães a recusam a morte dos filhos mortos.

Outras vezes
afagava suavemente os telheiros
ou era apenas a conspiração contra o sol
com a vida a cheirar melhor,
a mulheres líquidas
e luz de som molhado.

Agora não.
Chove com a monotonia de choro escondido.
Chove
mesmo dentro do sol
com o sabor a lágrimas dos homens
que o frio apodreceu.

E eu sem poder vingar-me
e atirar as minhas para o céu.


11 fevereiro 2011

Teias

Aqui
a ver os olhos envelhecerem os espelhos embaciados
bem sei que não te resignas
às teias brancas
no recanto do saguão
que só certas aranhas sabem tecer
com a inocência de trazerem a luz de modo oculto
nos sexos envelhecidos
de patas peludas.

Teias que denunciam
o tempo
quando os fantasmas
sopram através das frinchas
os ponteiros de pó
de um relógio de lua e vento.

04 fevereiro 2011

Buracos

Aquele quarto
foi a última ilha achada pelo português
onde mal cheguei a nado
(«a nada» diriam os poetas de hoje)
iniciei a exploração
das minas menos secretas
da solidão.
De vez em quando
escavava um buraco no chão
descia à rua
trazia de lá um bocado de neve,
misturava-a com terra e céu,
acendia-lhe um perfil qualquer
de seda, morte e mulher
- assim passava as noites
com frieza de cio
a fingir de Prometeu.

A sós
com o abutre de garras de frio
que se devorava a si mesmo
nas entranhas de todos nós.