30 outubro 2012

Trevas







Já eu andava pelos corredores
a arrastar
o meu pequeno manto
de palavras
a sofrerem por mim
as minhas  dores.

Rosto pobre
de peso alheio
com algemas de suor.

Só à noite,
quando a treva entrava por mim a dentro
me sentia maior.







22 outubro 2012

Solidão





Deixo sempre alguém fora de mim em mim
no lugar donde parto
flor que a si mesma se corta no jardim,
olhos pegados no espelho,
sempre a ver-me jovem na cama do quarto.

E a mão direita ? Onde deixei essa mão ?
Nos teus seios, talvez. Ou na melodia escrava
em que a vizinha do 2º andar, deitada ao comprido
no chão,
tentava ouvir o próprio coração
no piano em que eu tocava
- ponte sem sentido
de solidão para solidão
num espelho partido.







06 outubro 2012

Lembrança







 Aqui a lembrança
perde, de súbito, o rosto.
Pasta de sangue e névoa,
labirinto escuro na claridade do dia
que só começa a iluminar-se ao sol posto
quando de repente
sinto na mão
que me guia
a cegueira ardente
dos olhos da imaginação.







03 outubro 2012

Palavras






Valem-me as palavras que me deram em criança
e agora rastejam no chão,
atravessam-no,
mortos aparentes,
sombras vivas
com torturas nos dentes
que mordem os cordões,
escondem-se na terra,
unhas agressivas,
sugam o sangue dos vermes
tornam-se líquidas,
juntam-se em símbolos,
rios subterrâneos de metáforas
suor oculto.
Vêm de todos os lados,
química de sons em água,
fonte para um dia,
cinco bicas na mão
- bocas acordadas por fim nas rochas
que, em vez de beberem neblina,
CANTARÃO.


 
 

02 outubro 2012

Passado






 Para que me serve agora essa esperança
e o passado tal como o penso
visto pelos olhos arrancados
aos meus fantasmas de criança
que trago atados num lenço
e de quando em quando desembrulho
com a sensação de viver sufocado de silêncio
debaixo do entulho ?