28 fevereiro 2010

A ilha do café.

Entro no café
e vejo as cabeças do costume
em redor da fogueira resistente
num bafo de voz curva,
boatos de lume,
- boca semi-viva.
E assim combate há anos esta gente!
A forjar armas de nuvens
com aço de saliva.
De vez em quando um personagem da ilha do café
desaparece.
Partiu? Morreu?
Não.
Apenas recebeu uma contrafé
para o pesadelo ritual
de ter que ir fazer a sua prece,
durante dias e noites de pé
no templo da solidão,
onde padece a imagem da deusa do sono
- a mãe toda poderosa da morte,
da coragem, e da traição.

24 fevereiro 2010

Indiferente.

Sempre a mesma mulher de saias curtas
nos degraus matinais
- capacho com olhos,
corpo sem nudez,
mãos de cera derretida.
Nenhuma cólera por não haver horizontes.
Apenas o sono dum português
nesta morte com insónias
chamada vida.

21 fevereiro 2010

Sinais.

Fingida divindade
já sem a sorte como sinal,
que os teus olhos
nunca mais sujem
as flores do bem e o mal,
redondos,
fixos,
terríveis,
de mocho real
- onde nunca as lágrimas
deixaram sinais de ferrugem
no frio impaciente do metal.
... e nem ao menos um abismo
para me lançar
em fingimentos de voo.
Sempre esta sensação
de ser mais pequeno do que sou.

13 fevereiro 2010

Pensamento.

Bastou um pensamento,
um pensamento apenas,
para magoar de cinzas
as flores ocas
da primavera dos caminhos.

Bastou um pensamento,
um pensamento maldito,
para enlodar a alma
neste dia de festim de pólen nos cabelos,
onde até os mortos trepam por dentro das árvores
para ver o sol
do alto das flores.

Bastou um pensamento
para que neste mecanismo
de ramos e pedras
se abrisse um abismo
e o Sol - até o Sol !
- se descarnasse
num arrepio de caveira ao vento ...

08 fevereiro 2010

Esperança.

Não traio.
Porque insistes ?
Não traio.

Desde criança que meu pai me ensinou
não haver tempestade
na terra ou nos céus
que não traga
a praga
de um falso herói
salvador da cidade.
Ou  a esperança de um semi-deus
com um raio
 na mão
que tudo destrói
para pintar depois o sol e o chão
de outra realidade.
Mas nunca encontrarás traidores
entre os que como eu sonhámos combustões
de novas flores
com pétalas de asas de liberdade
que só nascem e crescem regadas pelos gritos
e lágrimas das multidões.

Continua! Não pares a tempestade.

03 fevereiro 2010

Pecado.

Pecado original.
Crime incometido
por alguém oculto nas árvores
com a balança da morte nas mãos.
Não fui eu !
- o assassino fugiu para o fundo do silêncio
com os olhos de estrelas envenenadas.
E depois criou os homens
para lhes ensinar a morte
e o pecado.
Mas ainda ninguém lhe descobriu as pegadas
que atravessam a morte
até ao outro lado.