27 abril 2010

Sombras.


Não sei se esta tristeza é minha
ou é do mundo.

Vem do mundo, talvez,
maquinação de cadáveres
a simularem vida,
entranhas da treva
que tudo adormece
nos perfis fechados.

Vem do mundo, talvez.

Os homens tiram-na dos olhos,
encontram-na suada nas camas,
sentem-na ranger nos ventres das mulheres
e, ao compasso do amor resignado,
enrolam-na em si mesmos
pelas avenidas longas
onde os senhores mostram as caveiras
quando tiram os chapéus aos enterros.

Vem do mundo, talvez,
tristeza de pedras
que dormem juntas há séculos
sem um momento líquido de amor
nem o peso de se desfazerem em sombras
que o silêncio exala.

Extensão de cardos
onde de súbito me apetece voar
com a violência de uma bala.


19 abril 2010

Vida


Quando tocas na vida
tudo se ilumina de olhos
e de repente sobe à superfície do sol
a primavera do outro lado
sempre tão baça na monotonia dos dias.

Mas o mais extraordinário
é tu seres como eu,
com a mesma carne quotidiana
e as mesmas curvas vis
de pessoa repetida.

Sim, a mesma carne igual.
Mas deixem-na ter instanstes de deusa
nos abismos da sede.
Deixem-na afogar as imagens no rio
com peixes de ouro nos cabelos.

Deixem-na sair da cova
com esqueleto de perfume
a dançar ao frio das ternuras breves.



12 abril 2010

Palavras.


Sobem-me aos lábios canções frias
num contacto de balas...
...mas não quero cantá-las.

Para quê canções roucas
onde as chamas dormem
se as palavras ocas
não beijam nem mordem?

Antes assim mudo
por montes e ermidas,
a olhar para o céu,
a olhar para tudo
-cheio como eu
de canções dormidas.