29 agosto 2008

Poesia.

E a Poesia ?
Onde estava a verdadeira Poesia ?
A que deixava
na praia longa e louca de ventania
um rasto de sinais enigmáticos
de mulher descalça.
Não a via .
Pobre de mim que continuava
a tentar abrir e fechar
as pedras e as palavras
com a chave falsa .

27 agosto 2008

Prata.

Todas as noites na cidade inexacta tropeço nesta pedra com perfil de menina de prata. Imóvel, firmeza irreal, morta por fora na secura dos apelos ... Ontem soltei um grito. Tinham-lhe crescido os cabelos.

26 agosto 2008

Poeta.

Bati com o pé no deserto
e não nasceu uma fonte ...
Toquei numa rocha
e não se cobriu de açucenas ...
Beijei uma árvore
e o enforcado não ressuscitou ...
Amaldiçoei a paisagem
e não secaram as raízes ...
Digam-me: para que serve ser poeta?
(Os santos são mais felizes.)

23 agosto 2008

Salto.

Cansado de dormir no basalto,
morri e meteram-me numa nuvem de elevador.
E agora cá estou no céu alto
com uma estrela no peito em vez de flor.
Mas qualquer dia dou um salto.
(Ou peço a um anjo que me transporte
para não quebrar as pernas.)
Estou farto de céu e quero mundo!
Não quero morte! Não quero dor!
Quero tabernas!

Sombra.

Se caíres
do arco-íris
a tua sombra abre-te os braços
para não te magoares no chão.
A indecisão
dos primeiros passos
na ponte dos séculos
leva agora minutos ...
De pé
colhem-se melhor nas árvores
os astros iluminados nos frutos.

18 agosto 2008

Solidão.

Ah ! pudesse eu saltar da imaginação para arrancar da noite a lua e os cometas ! ... - sangrasse embora o céu e uivassem os poetas na sua escuridão. Ah! pudesse eu suprimir as estrelas com uma espada de versos ! ... - caísse embora um véu de silêncio apagado nesta ilusão de haver janelas para outros universos. Ah ! pudesse eu pedir à poesia que rasgasse o luar e desse à ventania mãos para arrancar os astros das raízes sangrentas no Ar ! ... Ah ! pudesse eu ! ... Para na verdadeira solidão que nenhuma estrela adoça ouvir pulsar enfim o coração na Terra que é só nossa.

Mistério.

Quem és ? Tu que deixaste no céu pegadas de nuvens e atravessaste o mar com pés de espuma para depois te perderes no bosque vestida de areia e farrapos de ventanias ? Quem és ? Quem és ? (Sou eu a acrescentar o mistério do mundo saturado deste mistério de todos os dias.)

16 agosto 2008

A dor.

Não choro. A dor não me pertence. Vive fora de mim na natureza livre como a tempestade. Carrega os céus de sombra, entra nas plantas, desfaz as flores ... Corre nas veias do ar, atrai os abismos, curva os pinheiros ... E em certos momentos de penumbra iguala-me à paisagem. Surge nos meus olhos presa a um pássaro a morrer no céu indiferente. Mas não choro. Não vale a pena ! A dor não é humana.

15 agosto 2008

Luz.

Tudo cansa !
Até o brilho cruel do sol como lança
dos teus olhos nus.
Teus olhos.
Hoje dois delicados pratos de balança
que só pesam a luz.
(E a Esperança.)

14 agosto 2008

Estrelas.

Só olho para o céu
nas noites de lua despida
para atar os olhos nas estrelas
e ver de lá, melhor a Terra e a Vida.
A Terra dos braços dos teus rios.
A Terra dos olhos dos teus lagos.
A Terra do corpo do teu mar.
A Terra em que apetece ser crepúsculo
para adormecer e sonhar.

12 agosto 2008

Pastora.

Das moitas, das pedras e das árvores
sai esta matéria de asas, sono azul
que às vezes parece primavera
na alegria de viver com espectros
- pobre pastora sentada a chorar
na margem do regato.
Depois despiu-se
(afinal tinha o corpo de luz),
mergulhou as mãos no ribeiro matinal
e pouco a pouco o corpo dissolveu-se na água
com peso de sonho ...
Só ficaram os cabelos
e os olhos
onde o mundo boiava num naufrágio irreal.

10 agosto 2008

Ruby ...

Ruby Tuesday (Melanie Safka)

08 agosto 2008

Vazio

Os outros decifram palavras cruzadas
e eu falo e sorrio ...
(Mas a sofrer por dentro, a arrancar o cabelo,
por viver num mundo vazio
e só poder enchê-lo de frio.)
Os outros decifram palavras cruzadas,
enigmas, teoremas ...
E eu de súbito desato a rir às gargalhadas
num tilintar de algemas ...

07 agosto 2008

Noite.

As coisas que a noite me ensinou,

desde domesticar as estrelas

e a esvaziar a lua

dos segredos que douram os medronhos!

Foi com ela que aprendi

a ler nos teus olhos

tudo o que escondes em ti

na transparência do amadurecer dos sonhos.

Deste-me a pele,

deste-me os lábios,

deste-me os seios

e agora dás-me a dor do tamanho dos teus olhos,

a dos poços fundos ...

Eu que tanto sonhei com a outra.

A de criar mundos.

06 agosto 2008

Pudor.

Rasguei-te o vestido de alto a baixo com uma faca de olhos. E ficaste nua e humilhada no meio do universo -com o céu, as árvores, os prédios e as nuvens forrados de milhões de olhos de tristeza a chorarem por mim ... ...Esta chuva miudinha que mal te roçou a pele se transformou em cabelos longos de pudor de água.

04 agosto 2008

Diabo !

De súbito, o diabinho que me dançava nos olhos,

mal viu a menina atravessar a rua,

saltou num ímpeto de besouro

e despiu-a toda ...

E a que sempre tanto se recata

ficou nua ...

sonambulamente nua,

com um seio de ouro

e outro de prata.

02 agosto 2008

ilusão.

Entrei no Café com um rio na algibeira
e coloquei-o no chão,
a vê-lo correr
pela minha imaginação ...
A seguir tirei do bolso do colete
nuvens e estrelas
e estendias num tapete de flores
- fiquei olhando-as.
Depois, encostado à mesa,
tirei da boca um pássaro a cantar
e enfeitei com ele a Natureza
das árvores em torno
a cheirarem ao luar
que eu imagino.
E agora aqui estou a ouvir
a melodia sem contorno
deste acaso de existir
- onde só procuro a beleza
para me iludir
dum destino.

01 agosto 2008

Arco-íris.

Aboliste a noite
com o teu orgulho de existires
para além dos deuses imperfeitos
com rasto de arco-íris ...
E surgiste intacta,
sem suor nem defeitos,
na majestade da pureza que só imagino
quando vejo o sol feminino
dos teus peitos.