27 fevereiro 2013

Sinais





Noite de telhas desertas
na areia lunar
dos pinheiros sós.

Ninguém.

Mas por toda a parte
na cal dos muros,
no sangue dos tijolos,
no aprumo dos portais,
no desequilíbrio das pedras
sentem-se as mãos dos homens
com dedos sôfregos.

Cemitério de sinais
para o tempo em vão
das ampulhetas das lágrimas podres.





24 fevereiro 2013

Vaidades


Para quê !?



Tudo é vaidade neste mundo vão...
Tudo é tristeza, tudo é pó, é nada!
E mal desponta em nós a madrugada,
Vem logo a noite encher o coração!

Até o amor nos mente, essa canção
Que o nosso peito ri à gargalhada,
Flor que é nascida e logo desfolhada,
Pétalas que se pisam pelo chão!...

Beijos de amor! Pra quê?!... Tristes vaidades!
Sonhos que logo são realidades,
Que nos deixam a alma como morta!

Só neles acredita quem é louca!
Beijos de amor que vão de boca em boca,
Como pobres que vão de porta em porta!...


(Florbela Espanca)


20 fevereiro 2013

Orvalho





A menina rompeu as paredes da torre
e pairou no vale
esquecida de sombras e bolores.

Mas de repente lembrou-se.

Parecia mal
ser tão feliz assim
a ceifar com a sua foice
ervas e cores.

E então estendeu-se no jardim
a aproveitar para o remorso dos olhos
o orvalho das flores.





17 fevereiro 2013

Noite I






Enterrava-se a noite
e às vezes também os astros
na alegria das férias,
para dar destinos azuis
às raízes dos cardos
cheias de estrelas
estéreis.





Noite





Enterrava-se a noite,
metia-se a sombra debaixo das pedras
e esperava-se o espanto de vê-la continuar
de mãos dadas
com a luz,
nas palavras,
nos gritos,
nos olhos das barricadas,
nas flores com dentes.

A noite 
tinha a utilidade das sementes.





14 fevereiro 2013

Sonhos



Enfim no céu de todos
a plena condição 
de anjos mutilados
que não tardarão
a mostrar de astro em astro 
a tragédia total
de sermos insectos
tão nus para imaginarmos a verdade.

Apenas solidão  
de deuses que recusam o trono.

Ah ! nunca o homem foi tão duramente real
como neste teu corpo imponderável
só com o peso do sonho.


(Todos os créditos vão para ti em nome da estima e amizade)

13 fevereiro 2013

Frio





Duas mãos desfeitas num fio
em volta do pescoço,
arrepio 
de terra e fogo.

Depois enterraram-na no rio
para que espere,
como o outro também, a dormir no mistério do seu recanto,
a trombeta do último apelo
que os torne de novo homem e mulher
com flores na fluidez do sexo
e no cabelo
de sombra em cio.

Dos olhos de ambos
corre agora o sangue de se verem ...

Mas na noite só se ouvem
os passos do rasto negro e frio.