28 dezembro 2011

Acaso


 Acaso azul de pedras e de flores
 a que o homens chamam primavera...

 Coincidência de árvores e de céu
 com o sol a alegrar tudo o que existe ...

Tudo menos eu !

Eu que não ando às ordens do sol nem da lua,
nem de nenhum clarim,
e vim hoje de propósito para a rua,
pálido e triste
- para me vingar de mim.



22 dezembro 2011

Tédio








Esta noite,
  em combinação com o orvalho
 vou pôr explosivos secretos
em todas as flores ...

... para decepar as mãos das mulheres resignadas
que todas as manhãs
enfeitam as campas
 de pétalas e perfumes
em louvor da morte crédula
dos mortos na cama.

Outra noite
em que, farto de insónias e de rugas,
vou mais uma vez sofrer
o tédio submisso
em que me róis e sugas.







15 dezembro 2011

Solidão






Nunca mais
deixes sangrar no coração
esse violino de punhais
a que chamam solidão.

Transforma-o noutro violino de astro fundo,
para que a tua canção
chegue à nossa pele
e aqueça o mundo ...
embora te gele.





12 dezembro 2011

Mistério






De bruços
desenho uma boca na terra.

 Beijo-a.

 E de súbito
 o mistério é uma mulher que se descerra.

O mistério restrito
do planeta a devorar-se,
de morte em morte, de infinito em infinito,
fechado num cárcere.

Esta estreiteza 
em que me doo
de ave presa
ao próprio voo.





06 dezembro 2011

Olhos




A tua voz deu-me outra vez o calor da terra
 - o cheiro ao rasto das flores pisadas.

E agora que me importa o céu ?
 E os astros de garras azuis que me arrastam até aos abismos
 onde as águias assassinam as manhãs ?

E que me importam os cemitérios da noite
quando os fantasmas enterram os cadáveres de vento ?

 E as luas clandestinas nos corações dos mortos ?

E as mulheres deitadas nas nuvens
com sexos metafísicos nos relâmpagos ?

Só quero a terra, ouviram ?

A terra redonda dos teus olhos de ninho quente.
A terra sólida das nossas sombras no chão à espera de flores.
Sim.
As flores existem.


05 dezembro 2011

Tédio

Ávila (Espanha)





Muros de cinzas azuis nos olhos
- para ninguém entrar.

Nem o mundo, nem as asas, nem o sol,
nem o suor das flores.

Apenas a tristeza
da solidão dos espelhos desabitados.






Cádis (Espanha)