30 setembro 2008

O anoitecer.

Procuram guarida as rodas que rodaram na estrada da vida ... Fumos negros saem por chapéus de casas ... Monstos de bronze anunciam as Trindades. Morcegos famintos aguardam o pôr do sol. Cenários de estrelas esperam a vez ...

25 setembro 2008

Ter MÃE.

Bati naquela porta aberta e ouvi chamar alegremente -Ó mãe, vem cá , vem cá depressa ! Era pobre aquela casa humilde aquela gente. Ao longe uma mulher respondeu : -Eu já vou, Filho ! Vou já. E logo a seguir perguntou: -O que é que há ? E sem eu querer uma lágrima atrevida rolou-me pela face ...

24 setembro 2008

História de pirilampos!

Há-de dar que pensar, há-de !... Aquela criança de tenra idade que tudo alcança, com simplicidade diz que os pirilampos espalhados pelos campos são pedacitos duma estrela que por ser muito bela a mais bela com certeza, se desprendeu dos céus para mostrar sua beleza. Mas por castigo de Deus, que não gostou da pobreza e da sua vaidade, ela ficou reduzida a uma infinidade de pequenos bocadinhos, que têm agora luz e andam pelos caminhos em busca uns dos outros cumprindo a sua cruz ... Há-de dar que pensar, há-de !...

22 setembro 2008

Terror.

Subi a um auge tal de consciência,
que não distingo a fronte, a flor, o fruto;
Ultrapassei as formas, não desfruto
Mais que o fluido afluir da pura essência.
Desde que o manto negro da aparência
Caiu, no meu silêncio íntimo escuto
Rolar no abismo o rio do Absoluto,
E olho-me na divina transparência.
Ali sou gota unida à imensidade.
Rasto fugaz do Espírito no plasma,
Sumi-me. Eis-me de lá, na Eternidade.
E ao recordar-me do meu próprio fim,
Vejo-me em ser e vejo-me em fantasma,
E os dois gritam com terror... de mim !

20 setembro 2008

Gota de água.

Ó gota de água
que cais agora
das folhas das árvores
sobre mim,
diz-me -- donde vens ?
dum lago ?
dum rio ?
dum mar ?
ou és mesmo lágrima
duma donzela virgem
que chora a morte
do poeta ?
Sejas o que fores
ou venhas tu donde vieres
eu te saúdo
gota amiga,
eu te quero
imensamente bem.
E quando voltares
a subir mais alto
- hás-de voltar !
não te esqueças
de mim
que tenho sede
de ti,
por não poder
viajar contigo
por tempo
indefinido ...

19 setembro 2008

Chove...

Chove ...
Mas isso que importa !,
se estou aqui abrigado nesta porta
a ouvir na chuva que cai do céu
uma melodia de silêncio
que ninguém mais ouve
senão eu ?
Chove ...
Mas é do destino
de quem ama
ouvir um violino
até na lama.

17 setembro 2008

Viver !

Pobre poeta
que vês
o mundo
com o coração
nos olhos ;
que choras,
embora as lágrimas
não corram
em teu rosto ;
que te julgas
única vítima
nos escolhos ;
que compartilhas
com o teu semelhante
no desgosto ;
que sofres
se vires sofrer,
e que ris
quando vês rir ...
É este o teu viver
porque não sabes
fingir !

16 setembro 2008

Silêncio.

As crianças atiravam o Sol uma às outras a brincarem no pátio entre gritos alegres de poeira. Não percebo porque os deuses em vez de viverem com os homens nos esperam na sombra com caveiras de incenso e invenção de pequenos enredos na morte para entreter o silêncio.

12 setembro 2008

Reflexos.

À noite
lançávamos a âncora para as nuvens
por proposta minha
ou encalhávamos o barco
nas areias
do rio.
Enquanto as sereias
vinham ao de cima
brincar nos reflexos das águas
com olhos de lima,
cabelos de algas,
despenteios de espuma trazida do mar.
Eram ao mesmo tempo
mulheres, peixes, aves e frio
que nadavam no luar
e voavam no fundo do rio.

11 setembro 2008

Rosto.

Às vezes arrancava o rosto

e colava-o no vidro da janela.

Adeus !

Saía.

E ficava a ver-me afastar-se

aquele vulto tão diferente de mim,

sombra na areia macia.

Mas quando voltava

lá estavam os meus olhos

à minha espera no espelho.

E a um canto,

restos de mim,

ossos de frio,

pálpebras de espanto,

sabor a fel.

E um maldito bloco de gelo

que não deixava chegar nenhum navio

às âncoras ferrugentas do meu porto.

10 setembro 2008

Fonte.

Secaram as minhas lágrimas

secaram para sempre

e eu que queria chorar

chorar eternamente,

não posso.

Ó Fonte lacrimosa,

brota de novo sem cessar.

brota para eu me aliviar

deste remorso

que paira dentro de mim ...

- Remorso de quê ?

perguntas-me tu, ó Fonte,

se eu não matei nem roubei ...

Ah! Mas eu sinto-o nitidamente.

Mas porquê ? Não sei !

Não me perguntes. Não sei !

09 setembro 2008

Menino rico.

É manhã, é manhãzinha
a chuva cai miudinha
e há lagoas na estrada,
onde crianças descalças
nelas vão a chapinar ,
a correr e a saltar
com os livros na sacola
no caminho para a escola.
Uma criada fardada
ralha por tudo e por nada
e segura pela mão
menino rico, com botas ,
que também queria brincar
correr muito e saltar
como os outros todos vão.
E a tristeza não encobre
pois preferia ser pobre
do que caminhar com mágoa,
olhando os pèzitos nus
dos que chapinam na água ...

08 setembro 2008

Harmonia.

A poesia não está nos versos que te escrevo, mas na harmonia do teu corpo, no teu cabelo ao vento, na frescura dos teus lábios, no teu belo e puro pensamento. A poesia não está nos versos que te faço, mas no teu colo de Mãe, na forma das tuas ancas, no teu coração vibrante, nas tuas mãos débeis e brancas. A poesia não está no meu poema, mas no Sol, no Céu e nas Estrelas na própria cor dos olhos teus. A poesia está em ti e em toda a Natureza e o grande poeta ... foi Deus !

05 setembro 2008

Poeta.

Ser poeta não é rimar amor com dor
ou oração com devoção.
É gritar no silêncio dos séculos,
é sofrer a fome das crianças,
é chorar lágrimas de sangue
sem que ninguém veja,
é dar sem que nos peçam
porque um poeta
não é um benemérito,
é um louco !
Dá tudo quanto tem
e, é tão pouco ...

04 setembro 2008

Areia.

Oh! a primeira pegada
na areia molhada ...
E um homem de pé
a olhar em redor
para o sonho do céu,
dos peixes e das ondas,
num querer arrancar-lhe
a dor da realidade.
Oh! a primeira pegada
na areia molhada ...
E a sombra dum homem
a erguer-se das pedras
com pés de deusa azul
para atravessar, sozinha,
as águas e as nuvens ...
- e ir criar o mundo
com mãos de tempestade ...

03 setembro 2008

Planície.

Sózinho na planície múrmura de flores, com árvores em garra, levantei-me de súbito num grito: O mundo não é só dos pássaros e do vento! Mas nosso , também. De nós , os homens , que criamos os deuses para os estragular depois - pálidos de acreditar. Sózinho na planície múrmura de flores...

02 setembro 2008

Silêncios.

Livre dos mistérios próximos pus-me a escutar no silêncio aquela flauta que ninguém toca e só os poetas ouvem na verde bruma da tarde. E com ternura aflita senti subir de mim mesmo a dor enfim nua, tão alheia à terra, tão subtil de fumo -mas só minha, só minha!- despida de mundo em dor que não dói ... (Que bom ! sofrer nuvens...)

01 setembro 2008

Fontes.

Poeta: continua a arrastar a solidão da tua ilha de sombra atada aos pés. Mas resiste a mostrar as cicatrizes dos montros roedores que te rasgam de lés a lés. Afoga nos olhos a ternura das fontes que no fundo das raízes imagina as flores. E apaga na boca a fuga quente dos pássaros com asas nos corações. A ternura é inútil, como beijar tufões.