30 maio 2008

O baloiço da vida.


Menino que baloiçava
no baloiço da corda,
baloiça, baloiça agora
no baloiço da VIDA ...
Menino que oscilava
numa corda segura ,
oscila, oscila agora
com a corda partida...
Menino que disparava
a espingarda a brincar,
dispara, dispara agora
a espingarda a matar...
Menino que chorava
com o mundo a seus pés,
chora, chora agora
neste mundo ao revés...
Menino que adorava
ser depressa um homem,
adorava, adorava agora
ser de novo menino ...
Menino que baloiçava
no baloiço da corda ,
baloiça, baloiça agora
no baloiço da VIDA ...

28 maio 2008

Vida

Viver sempre também cansa.

O sol é sempre o mesmo, e o céu azul
ora é azul, muito nitidamente azul,
ora é cinzento, negro, quase verde...
Mas nunca tem a cor inesperada .

O mundo não se modifica.
As árvores dão as flores,
folhas, frutos e pássaros
como máquinas verdes.

Paisagens não se transformam,
Não cai neve vermelha,
não há flores que voem,
a lua não tem olhos
e ninguém vai pintar olhos à lua.

Tudo é igual, mecânico e exacto.

Ainda por cima homens são homens.
Soluçam, bebem, riem e digerem
sem imaginação.

Há bairros miseráveis, sempre os mesmos.
Discursos de políticos,
guerras, orgulhos em transe,
automóveis de, e em corrida ...

E obrigam-me a viver até à Morte !

Pois não seria mais humano
morrer por um bocadinho,
de vez em quando,
e recomeçar depois,
achando tudo mais novo ?

Ah ! se pudesse suicidar-me por uns meses,
morrer em cima de um divã
com a cabeça sobre uma almofada,
confiante e sereno por saber
que tu velavas, meu amor do Norte.

Quando viessem perguntar por mim,
havias de dizer com o teu sorriso
onde arde um coração em melodia :
«Matou-se esta manhã.
Agora não o vou ressuscitar
por uma bagatela.»

E virias depois, suavemente,
velar por mim, subtil e cuidadosa,
pé ante pé, não fosses acordar
a Morte ainda menina no meu colo...

27 maio 2008

Fado

Fado ... é DESTINO. Todos temos o nosso fado, que é cantado pelo povo em diversas variantes. Lento, com melancolia e tristeza. Mais corrido, com prazer e alegria.

É um prazer escutar a bela e linda Raquel Tavares. Sinto a nostalgia das passagens pelas tabernas e casas de fado, nos bairros típicos da velha Lisboa !

Canção ao luar.



Tanto penso e tanto sinto

que tombei no labirinto

de já não saber cantar .

E eu só quero cantar

seja no modo que for

às estrelas e ao luar.

Cantar por meu instinto

canções sem conteúdo

com os cabelos ao vento.

Cantar ... Cantar ...

...a música que existe em tudo

- a fingir de dor

e de pensamento.

26 maio 2008

Sedução

Não ouviu o que lhe disse,
senhora Sereia ?
Deixe-me ir à superfície
dar sombra na areia.

Não me aperte assim nos braços
de conchas e visco
a envolver-me de sargaços
e cheiro a marisco.

Pois não vê que me sufoca
com tanta saliva
e essa moleza de foca
onde há morte viva ?

Nem pretenda seduzir-me
nua em sua cama.
Quero mundo ... terra firme ...
... ruas com lama .

Já lhe disse que me deixe.
Nenhum corpo a quer.
Dona Morte : cheira a peixe.
Não cheira a mulher .

E eu quero-a bem feminina
a cheirar a mel
- corpo de céu de menina
com astros na pele.

Então com a maré cheia
vim à superfície.
Adeus, senhora Sereia.
Até à velhice.

25 maio 2008

D.Quixote Português.

Vi-o cair sozinho
ao pé do tapume
e não fui erguê-lo.

Continuei o meu caminho
com raivas de lume
nos olhos de gelo ...

Ah ! D.Quixote, D.Quixote
que trago no coração,
porque não me obrigaste, a chicote,
a levantá-lo do chão ?

Porque não me obrigaste, a pontapé,
a levá-lo nos meus braços
ao Hospital de S. José
-por pedras de rasgar passos ?

Porque tão assim te contentas
com o dever clandestino
destas lágrimas sangrentas
que já nem choro, imagino ?

D. Quixote, D. Quixote,
D. Quixote sem cavalo,
sem espada nem arnês,
fechado no meu coração:
porque não me obrigas-te a levá-lo
em vez, em vez
de estares para aí a chorá-lo
com lágrimas de sonho vão ?

D. Quixote português,
covarde de solidão.

Heroína

Vais morrer com a saia rota,
sem flores nos cabelos...
-Mas isso que importa
se depois de morta
até as mãos da terra
hão-de florescê-los ?

Vais morrer de blusa no fio,
sem laços nas tranças ...
-Mas isso que importa
se depois de morta
até as mãos do frio
penteiam as crianças ?

Vais morrer espantada na rua,
sem fitas nos caracóis ...
-Mas isso que importa
se depois de morta
até as mãos da lua
enfeitam os heróis ?

Vais morrer a cantar numa esquina,
de sapatos velhos ...
-Mas isso que importa
se depois de morta
continuarás a ser a menina
que nunca teve espelhos ?

Vais morrer com olhos de águia presa
e meias de algodão ...
-Mas isso que importa
se depois de morta
a tua beleza
não caberá num caixão.
E há-de rasgar a terra
e romper o chão
como uma primavera
de lágrimas acesa
que os homens atiram, em vão,
para a natureza ?

24 maio 2008

Vagabundo

Cala os olhos, vagabundo.
Não me digas
que há estrelas no mundo
sem urtigas.
Não me contes
que nascem astros nos vales
para além dos horizontes.
Não me fales
de haver poentes
com as cores ardentes
das penas de um galo.
Não me tentes,
vagabundo.
Não quero ver o mundo.
Prefiro imaginá-lo.

Luar

Passsei toda a noite a meditar
nesta coisa complicada
de haver luar
a enfeitar o nada.
Luar, flores e estrelas
criadas para o que não imagino.
Mas não para serem belas
que não é o destino.
A beleza é outra dor.
É este desespero fundo
de explicar o mundo
por uma flor.
Flor de sonho vago,
nuvem de recorte
quase indifinido...
Mas eu prefiro a outra,
a flor com morte,
a flor que esmago
para lhe dar sentido.